Toda vez que aqueles calafrios
começam a correr pelo pulso lembro da primeira vez que senti vontade de escrever.
Vontade não, desespero. Devia ter uns onze, doze anos, e, se pudesse encontrar
o que escrevi, seria o original do que escrevo agora – do que venho repetindo
todos os anos desde então. É como se todas as vezes revisitasse aquele meio-dia
daquele sábado daquele dois mil e pouca coisa: a cadeira de balanço em frente
ao portão de casa, o vento quente, os olhos embaçados, o caderninho velho.
Ainda não aprendi outro símbolo. Ainda
continuo tentando fazer com que tudo escorra pelos dedos. Sempre tem alguém que
me pergunta se não tenho vergonha de me expor assim. Não, nunca deu medo (porque
vergonha é medo desnutrido). Isso é nudez pra dentro - ou talvez eu goste mesmo
de me sentir ridícula. Melhor: gosto de tudo que me faz sentir. Ponto. Novidade
nenhuma aqui.
Tenho um amigo que sempre me diz
que não quer me ver chorar. Não entende. Não consigo fazê-lo entender que
durmo, falo besteira, sinto fome, fico doente, escrevo, choro. Tudo normal,
tudo parte de estar viva. Tudo parte minha. Me vem com “aproveitar a vida”, no
tom de um desses discursos que significam beber e trepar e rir e cantar mas
minha tradução disso, desde sempre, inclui permitir que, a qualquer momento,
meu teto desabe sobre as minhas certezas. Aproveitar a vida pra mim tem também a
ver com reconstruir e sangrar e questionar e deixar as vísceras enforcarem o
cérebro, colecionar primeiras vezes. E aí escrever pra pedir arrego.
Hiatos à parte, pretendo
continuar transformando sensações em parágrafos. Lacunar e incompleta,
continuarei escrevendo pelo devaneio de que a palavra me salve. Ou liberte.